Wednesday, January 02, 2008

PUBLICADO NA REVISTA CONTINENTE MULTICULTURAL




AMOR (ROBERTO, O RATO)

Ei, aqui embaixo!
É isso mesmo; sou eu, Roberto, o Rato. Rattus norvegicus, para ser preciso. Ratazana de esgoto, no popular. “Roberto” é culpa de Zilda, a louca. E, por sua vez, o nome dela é culpa da pequena cidade, que a apelidou assim. Meu Deus! Uma senhora de 89 anos! “A doida do rato”, é o que dizem. Não, não existe respeito. Mas as pessoas são assim mesmo: 99 por cento delas não valem nada – e o outro um por cento não se encontra. 99 por cento delas não produzem nada mais que fezes e lixo. (E merda das mais fedorentas – lixo atômico-apocalíptico da pior espécie.) Zilda, pelo menos, escreve poemas – uns poemas bestas, vá lá – e me alimenta. Fica jogando seu arroz branco na borda do bueiro em frente a sua casa velha. Gosta de me ver, me ama, e é odiada. As pessoas não gostam de velhos – quase tanto quanto não gostam de ratos. Meninos lhe atiram pedras, senhoras mudam de calçada. O malcheiro de Zilda, alegam. Ninguém quer saber da água que lhe cortaram, ou do sacrifício que faz para sobreviver com a aposentadoria. Um rato não viveria melhor. Ninguém se pergunta o porquê da casa caindo aos pedaços, ninguém mesmo. Nem os filhos (uns oito, a julgar pelas fotos espalhadas). É... as pessoas são o que são. Eu fico olhando o cinza desbotado da solidão de Zilda e concluo que a humanidade não presta. Dá vontade de vomitar – mas ratos não vomitam, embora se enojem. Então vamos ao arroz grudento.